Um lugar para a vergonha

Mulher
07.abr.2015

Quando a sensação de inadequação está entre os sentimentos que experimentamos com mais frequência, a chance que temos de vir a desenvolver uma enorme capacidade de tentar agradar aos outros é garantida. O objetivo será sempre obter o reconhecimento de alguém, já que de nós mesmos não vem o mínimo. O pior é que, muitas vezes, o reconhecimento externo (o dos outros) até vem, mas não chegamos a registrá-lo, pois nessa condição de funcionamento mental, nosso pior crítico somos nós mesmos. Nosso senso de merecimento é praticamente nulo, ou seja, simplesmente não acreditamos que possamos ser reconhecidos, “pertencer” e ser amados.

Mesmo sem discriminar gêneros, a tal sensação de inadequação costuma se apresentar de forma diferente, entre homens e mulheres. Neles, a  ordem interna é uma só: não ser visto como um fraco. Um homem vulnerável e amedrontado não consegue se aceitar em tal condição. A saída, então, passa a ser nem chegar a se conscientizar de seus próprios medos. Predomina uma percepção de mundo de forma  meio difusa,  desconfortável, ou mesmo angustiante, já que não lhe é possível  discernir o que sente. Já nas mulheres, reinam absolutas as expectativas inatingíveis de ser ou fazer tudo de forma perfeita, ou nada. Sendo o nada sentido como “não sou nada, não tenho valor algum”.

Sentir-se inadequado ou com vergonha de si é uma vivência conhecida de todos os que tem alguma capacidade de experimentar empatia e auto crítica. Quando a pessoa tem uma tendência maior a se sentir assim, entretanto, o que existe é uma permanente sensação de que se tem uma espécie de “defeito de fabricação”, ou seja, “eu sou de má qualidade” e pronto. Nesse caso, somos um blefe, e a qualquer momento seremos “descobertos” pelo resto do mundo. E aí será nossa humilhação máxima, nosso fim…

Ao nos sentirmos inadequados, ou com uma persistente sensação de vergonha de nós mesmos, é como se convivêssemos em tempo integral com uma força opositora dentro de nós, que nos faz sentir como se nunca tivéssemos as mínimas condições para enfrentar qualquer desafio. A tal força estaria pronta para nos diminuir, toda vez que pensamos em tomar uma atitude: “ O que é isso?? Quem você pensa que é?? Aonde pensa que vai??” A atitude, vamos deixar claro, pode ser desde uma coisa bem simples, como emitir uma opinião durante uma conversa, até levar adiante uma ideia mais criativa.

A libertação desta forma de existir leva tempo e, em geral, um auxílio terapêutico se faz necessário em algum momento da vida. A boa notícia é que a “superação” é possível, e a estrutura psíquica, uma vez reestruturada e tornada sólida, pode diluir todo este quadro. Quando os nós psíquicos se desfazem, funcionamentos mentais se dissolvem por inteiro, tornando-se algo que fará parte de um passado tão longínquo, que nem parece que foi nesta mesma vida que aquilo aconteceu com a pessoa.

E aí vem o momento de se dizer: o melhor lugar para a vergonha? É no passado…

assinatura_simone

Artigos relacionados

17 out

O masculino em revisão

Há cerca de quinze anos, a mídia em nosso país passou a divulgar uma imagem do sexo masculino como “confuso e assustado” diante dos novos posicionamentos femininos. À época, muito se comentou acerca de que a performance no trabalho teria deixado de ser suficiente para que muitos homens se sentissem seguros diante das mulheres ao […]

  • 960
Mulher
18 abr

A privacidade e a banalização do sexo

A privacidade, tal como foi definida nos últimos dois séculos, parece que está com seus dias contados. A vida privada, ou o que era privado na vida das pessoas, era a contrapartida ao que era a vida pública. O espaço privado da família era resguardado do mundo “lá fora”. Era o lugar em que estávamos […]

  • 2151
Mulher
17 mar

Mulheres, autoestima e rejeições

Ao que tudo indica, nascer mulher e já com a autoestima ajustada num nível razoável para sobreviver bem, é difícil. O mais comum é que o nível seja mais baixo do que o necessário e que vá se elevando ao longo da vida, a partir  do aprendizado trazido pelas experiências pessoais. Este dado é bastante […]

  • 1835
Mulher