Como abraçar um porco-espinho

A Dois
24.mar.2015

Tempos atrás, recebi de um amigo querido e auto-declaradamente “difícil de lidar”, um livrinho com o titulo aí em cima. Um pequeno tratado sobre o que torna as pessoas “difíceis” e um monte de dicas para lidar com elas. Uma manifestação de carinho e um pedido de socorro, seria possível tudo ao mesmo tempo? Meu amigo me sugeriu ler com calma e foi o que fiz.

O livro compara as pessoas difíceis de lidar com os porcos-espinhos, pequenos e assustadiços animais que se amedrontam com facilidade e se põem em guarda ao se sentirem ameaçados. Na defensiva, tentam intimidar de volta o “inimigo”, usando alguns mecanismos que seu corpo lhes oferece, como aumentar de tamanho para parecer mais temíveis.

O mesmo se dá com as pessoas consideradas de difícil trato, diz o livro. Ao se sentirem ameaçadas, elas se inflam e tentam colocar para correr seu adversário. Só que, no caso, não precisa haver uma ameaça de verdade para o porco-espinho humano se por na defensiva. É a sensação dele de ameaça iminente que vale, e não a realidade.

Na minha leitura, entendi que pessoas “difíceis” são as que mostram hostilidade quando julgam necessário  reagir a alguma invasão de seu território. Só que, detalhe que faz toda a diferença: ninguém mais percebeu qualquer invasão ou “cruzada de fronteira”. A linha divisória, de tão tênue, é invisível. E assim, para o interlocutor, a pessoa “difícil” atacou de repente e do nada. E a reação mais imediata (e comum) é contra atacar.

E as dicas para lidar com as frágeis e temidas criaturas? Passam todas pela amorosidade, ternura, compreensão, atenção, cuidado, carinho, tudo em doses bem generosas, sem economia. Além disso, vem a sequência do que não fazer: não ceder ao impulso de se defender também, abortar qualquer discussão, não perder o controle das próprias emoções, não tomar tudo no pessoal, neutralizar os ataques com doçura, dar inúmeras provas de afeto, não fazer cobranças, não deixá-lo culpado, não o surpreender, não exigir nada em troca, não interrompê-lo, e, por fim, explicitamente, “ser o melhor que puder ser”… Um verdadeiro caminho para o céu!!

Exausta com a interminável lista de recomendações, experimentando uma incômoda sensação de impotência e incapacidade para cumprir tantos pré requisitos, decido interromper a leitura do pequeno e implacável manual. Penso comigo que a vida não pode ser nem tão difícil nem tão regrada assim. E que a intimidade se constrói com empatia, amorosidade e tempo, muito tempo.

E intimidade, o que quer dizer aqui? Quer dizer confiança no outro, a ponto de deixar sua vulnerabilidade aparecer para a conversa, aos poucos. Coisa que porco-espinho, como todo mundo, adora quando enfim conhece.

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