A sabedoria dos fracassos

Comportamento
26.fev.2020

Nesses tempos em que todos querem ter sucesso sempre, e os jovens, principalmente, não conseguem se acostumar à ideia de que podem sim, falhar de vez em quando, surge a pergunta: haveria um jeito de nunca passar por um insucesso? A resposta, claro, é: não! Para minimizar a possibilidade de fracassar, alguém teria de se “proteger” a ponto de não correr quase nenhum risco, eliminando, para começar, todo tipo de ousadia em suas empreitadas de vida. E a consequência, seria andar lado a lado com a mediocridade? Sim, apesar de ser até possível ter uma carreira de sucesso aplicando-se esta “fórmula”. Mas, vale acrescentar: se há quem diga nunca ter sofrido um fracasso, estamos diante de alguém que talvez não saiba quem é, de verdade.

Por que estamos falando assim, se uma coisa aparentemente não tem nada a ver com a outra? Simples: porque os insucessos nos trazem, muitas vezes, a possibilidade de indicar uma direção diversa, mas que nos convém mais. Iniciativas que iriam numa direção, ao fracassarem, permitem que vejamos caminhos até mais favoráveis. Permitem que façamos uma parada em nossa trajetória e nos questionemos. São nossos fracassos que nos oferecem a chance de nos perguntar: no fundo, o que desejo, de verdade? Aonde quero chegar?  Estou “plantado” aqui nesta perspectiva, será que estou enxergando o cenário suficientemente bem?

Fracassos tem seus aspectos positivos e o mais importante me parece ser o fato de nos habituarmos a eles, os insucessos. Se não estamos preparados para esse tipo de evento recorrente, ficamos mais vulneráveis e propensos a desmoronar à primeira derrota importante que tivermos de passar. Atletas sabem que é preciso suportar quedas, derrotas e lesões, para um dia alcançar o topo. E esta também é a ordem comum dos acontecimentos, em nossas vidas. Adultos que venham a completar seu processo individual de amadurecimento chegarão naturalmente a esta conclusão.

Por outro lado, é preciso estar preparado para o sucesso. Uma sequencia de sucessos precoces pode ter um preço, que é o do declínio também precoce. E por que ocorreria isso? O sucesso é voraz e tende a devorar rapidamente os que chegam a ele. É preciso ser forte, exatamente durante o sucesso. É como se fôssemos tragados por uma onda avassaladora, que nem nos dá tempo, nem nos motiva a fazer uma reflexão sobre o que se passa conosco. Aplicar uma  “sabedoria do fracasso” no momento de um sucesso significaria conseguir se questionar, indagando-nos sobre o que está se passando conosco a cada sucesso, como fazemos em relação a um fracasso. A ideia é não nos afastarmos de nós mesmos, de nossa verdadeira essência.

Por fim, o maior aprendizado que os insucessos nos trazem é maior que tudo isso e de uma importância fundamental: nada menos que a ,cura de nossa ilusão infantil de “todo-poderosos”. Pois é disso que se trata a sabedoria do fracasso: ela nos livra de nossas fantasias de onipotência e nos torna humanos, apenas humanos.

 

Artigos relacionados

21 nov

O lado dos homens na reprodução assistida

A maioria de nós já esteve perto ou ouviu histórias de alguém que se submeteu a um processo de reprodução assistida: conhecemos a perspectiva da mulher, que é, afinal, quem se submete aos diversos procedimentos. Sabemos que para ela é um período difícil e doloroso e nos acostumamos a perceber o homem, neste caso, como […]

  • 1172
Comportamento
23 out

Coisas que sentimos

É muito curioso nos determos no exame mais acurado de algumas particularidades da nossa vida mental. Ou seja, como funcionamos, como estamos psiquicamente estruturados? Cada um de nós tem uma forma própria de ser e de interagir com o mundo. Ao longo da vida, todos passamos por momentos em que tudo fica meio desconfortável, com […]

  • 1911
Comportamento
19 abr

Saudades do meu médico

Todo mundo já reparou que os tempos estão mudando, e o formato das relações também, não é? Então, já seria de se esperar que as relações entre médicos e seus pacientes não permanecessem as mesmas, em meio às transformações sempre em andamento, certo? É isso mesmo, mas lembrar de meus antigos modelos médicos me dá […]

  • 2194
Comportamento