Os danos do assédio moral

Comportamento
07.jan.2014

A maioria das empresas já se acostumou a manter funcionários sob forte tensão, com medo de dizer o que pensam e perder seu emprego. Nesse pacto, ambas as partes sabem, embora não seja dito, que o que conta é a produtividade e a lucratividade, e não o indivíduo. Mas há situações ainda piores: as de assédio moral no trabalho. Trata-se de qualquer conduta abusiva que possa trazer danos à dignidade ou à integridade psíquica de uma pessoa, pondo em perigo seu emprego e deteriorando o ambiente de trabalho.

Verdadeiras guerras psicológicas se desenvolvem no ambiente profissional, quando uma sucessão de comportamentos por parte de um agressor é dirigida a uma vítima com o fim de desestabilizá-la, levando-a a uma confusão tal que a induza a cometer erros. As vítimas são pessoas perfeccionistas e dedicadas às suas tarefas. São escolhidas como alvos por incomodar a um chefe ou a colegas que se sintam inferiorizados, ou ainda por serem pessoas capazes que se recusam à submissão absoluta.
O processo de assédio tem fases bem delineadas. De início, o objetivo é tirar do funcionário a certeza acerca de sua capacidade, crivando-o repetidamente de críticas e censuras. O agressor cuida para que a vítima não tenha possibilidade de entender o que se passa. Diante de um conflito que, dessa forma, “não existe”, a vítima não reage. As agressões dão-se num nível de comunicação não-verbal, dificultando a defesa. A vítima fica em dúvida acerca do que percebe: será que aquele foi mesmo um olhar carregado de ódio? Por que será que o agressor parou de falar com ela? As críticas são feitas de forma sarcástica, seguidas de um “que é isso, foi só uma brincadeira”.
Em pouco tempo, as pessoas em volta começam a caçoar da vítima, surgindo até mesmo calúnias e mentiras a seu respeito. A seguir, a pessoa é isolada, tanto pelos colegas, como pela chefia, que a priva de qualquer informação e passa a não lhe dar trabalho. Tampouco lhe é permitido ocupar o tempo do expediente com outra atividade qualquer. Assim, rapidamente o processo de assédio torna-se destruidor.
O sucesso do assédio começa quando a vítima passa a ser vista como pessoa de difícil convivência ou desequilibrada mental. Com tanta pressão, a vítima comete erros, facilitando seu afastamento por alegada incompetência profissional.
O que facilita a ação do perverso agressor é a adesão do grupo. As pessoas não são propriamente perversas, mas são capazes de se deixar persuadir e de abandonarem seus próprios referenciais, aderindo ao assédio.
Por outro lado, há características facilitadoras da ação perversa em determinadas estruturas organizacionais das empresas. A primeira é a desumanização das relações entre os empregados. O assédio é mais freqüente em empresas onde não há interesse em deter funcionários abusivos com colegas.Empresas que visam a aumentar a produtividade/lucratividade apenas adotando o modelo de colocar suas equipes a trabalhar sob forte tensão, estarão propiciando o surgimento de conflitos.

O assédio sempre é fruto de algum conflito, portanto tudo o que contribui para o conflito facilita a ação perversa. Há ainda as empresas com papéis mal delineados (quem é o responsável por quê) ou com clima organizacional instável (alguém é nomeado para um cargo sem saber se vai exercê-lo mesmo ou se daí a pouco terá outra função).Não devemos tratar o assédio moral como uma espécie de “fatalidade” da nossa sociedade. Nem todos os conflitos vão evoluir para assédio e provavelmente só evoluirão se houver, simultaneamente, a desumanização das relações de trabalho e a complacência ou até mesmo a cumplicidade da empresa com o indivíduo perverso.Denunciar é a única forma de acabar com o assédio. É preciso, porém, muita coragem para fazê-lo e estar vivendo uma situação-limite, pois tal denúncia significará muitas vezes uma ruptura definitiva com a empresa. Há que se lembrar também que não existe a certeza da acolhida por parte da empresa e que, mesmo que algum processo legal seja desencadeado, muito dificilmente ele trará resultados favoráveis à vítima.

A única certeza que a vítima terá ao romper com o processo de assédio é que, não havendo possibilidade de composição ou pacto com perversos, ela obterá sua vida de volta. Com algumas marcas difíceis, mas também com as chances de novo recomeço. Pode-se mesmo comparar o fim do assédio à libertação de um período de aprisionamento.

Artigo publicado originalmente no jornal ‘O Globo’, em 06/10/2002
assinatura_simone

Artigos relacionados

6 set

O “nunca mais”

É preciso disposição para pensar nos tipos de medos a que nós, seres humanos, estamos expostos, tantos que são. Como superar os medos que acabam nos impedindo de viver bem, livres e lúcidos, capazes de pensar, agir e amar? Pois é, a maioria dos medos que nos surgem na infância vão embora com o tempo. […]

  • 1479
Comportamento
31 jul

De parcerias e rupturas

Ao longo de nossa vida, há alguns momentos em que deixamos de ser simplesmente nós para sermos “de” alguém mais, no caso de um casamento, ou “de” uma corporação ou “de” uma instituição, em nossa profissão. Sem perceber, por exemplo, quando começamos num novo emprego e passamos a pertencer a um determinado grupo profissional, nosso […]

  • 1596
Comportamento
28 abr

Felicidade versus Pandemia

Como todo mundo, eu e você estamos vivendo sob a pandemia, em função da pandemia. Após todos esses meses, o medo de adoecer e vir a morrer está mais do que presente em nossas conversas e atitudes. Nosso medo não só é verbalizado como também está nas nossas mãos mais do que lavadas, no álcool […]

  • 1059
Comportamento