O que fazemos com a culpa?

Comportamento
22.jan.2019

Já reparou como crianças pequenas se comportam quando fazem algo errado? Elas dizem “não fui eu, foi ele!” e apontam, se possível, para o irmãozinho, que está brincando com outra coisa, lá longe. Crianças pequenas agem com esta inocência, sabemos disso e achamos natural. A questão muda de figura quando somos nós, os adultos, a agir dessa forma: não é culpa nossa, não somos nós, é o outro, é o mundo, são as circunstâncias, a falta de sorte, etc. Os psicanalistas há muito sabem que a melhor forma de se desembaraçar da culpabilidade é atribuí-la ao mundo exterior.

Afinal, por quê toda essa dificuldade em lidar com este sentimento se, bem ou mal, todos aprendemos a acomodar outros, como a raiva e a tristeza? Simples: estas duas últimas emoções não nos envergonham e podemos, além disso, liberá-las através do choro, das explosões, dos momentos de destempero. A culpabilidade, não, ela vem para ficar e é difícil de carregar. O sentimento de culpa nos fragiliza: de repente, somos apanhados  numa imperfeição e nossa autoimagem é abalada. Construímos uma representação idealizada de nós mesmos e eis que surge-nos uma falha para estragar tudo! Decepcionados conosco, sentimos faltar o chão, entramos em desequilíbrio. Assumir a responsabilidade pelo erro fará com que tenhamos que nos rever e nos aprimorar em relação ao ocorrido. Por outro lado, se o culpado é o outro, ou algo que está fora de nós, não importa quem ou o que, nossa autoimagem permanecerá intacta…

Irrepreensíveis, é como gostaríamos de ser vistos pelos outros, ardentemente. Por trás de nosso empenho em sermos vistos assim e de nossas justificativas, esconde-se o medo de não mais ser amados e sim, dignos do abandono. Tememos que, ao nos perceberem culpados, sejamos descobertos imperfeitos e, em consequência, rejeitados.  A fantasia é assustadora, já que laços afetivos são uma questão de sobrevivência.

Entretanto, não é afastando nossa falha que conseguimos nos livrar do sentimento de culpa. A estratégia é efêmera e ilusória, pois a perfeição é um objetivo que se deseja alcançar, mas nunca será a realidade. A saída é reconhecer nossa fragilidade e nossa predisposição a falhar. Somos seres vulneráveis: admitir isso nos fortalece e nos faz mais justos em relação a nós mesmos. A reconciliação consigo mesmo alivia e satisfaz.

Fica faltando só a reparação a quem magoamos: muitas vezes, não temos ideia do quanto magoamos alguém, ao agir conscientemente pensando apenas em nós mesmos. Sobre este ponto específico, há uma linda passagem no filme “A pé ele não vai longe”, com o ator Joaquin Phoenix e atualmente em cartaz, em que o personagem busca uma forma de se desculpar com quantos, finalmente, ele admite ter ofendido. Maravilhoso!

Artigos relacionados

21 nov

O lado dos homens na reprodução assistida

A maioria de nós já esteve perto ou ouviu histórias de alguém que se submeteu a um processo de reprodução assistida: conhecemos a perspectiva da mulher, que é, afinal, quem se submete aos diversos procedimentos. Sabemos que para ela é um período difícil e doloroso e nos acostumamos a perceber o homem, neste caso, como […]

  • 1174
Comportamento
13 jan

A curiosidade e o riso: segredos de jovialidade

Todos os dias, descompromissadas, lembranças surgem em nossa mente partindo de inúmeros e diferentes caminhos. Entre as recordações agradáveis que nos permitimos estão as que experimentamos ao lado de pessoas queridas, que por algum motivo não temos mais contato. Hoje mesmo me lembrei de um antigo professor, de mente muito aberta e criativa, bem humorado, […]

  • 1457
Comportamento
10 fev

Hipersensibilidade, uma fraqueza e uma força

Você sabia que a hipersensibilidade não é nem um traço de personalidade, nem uma patologia, é mais uma forma de ser? Hipersensíveis são pessoas que, por serem destituídos de certos filtros, percebem realidades que escapam aos que estão à sua volta. Além disso, são capazes de emocionar-se mais intensamente que os padrões habituais. Em contrapartida, […]

  • 1760
Comportamento