Dia das Mães ou Travesseiros na Janela

Filhos
04.maio.2016

Dia desses visitei uma cidadezinha de colonização alemã e reparei nas casas com travesseiros nas janelas, preguiçosos, tomando um solzinho pela manhã. Imediatamente me lembrei de minha mãe, que aproveitava as manhãs de sol para colocar na janela os travesseiros de casa. Era um hábito, quase um ritual, que ela manteve até no fim da vida.

Minha mãe tinha crenças fortes. Sobretudo no poder purificador e curativo de algumas coisas que classificava como “naturais”. Assim eram o sol nos travesseiros, o limão espremido nos ferimentos (se ardia, é porque estava curando) e a água bem quente em tudo o que estivesse sujo, para “acabar de vez com os micróbios”. A lógica de minha mãe passaria sempre por uma coisa de purificar, limpar, esterilizar…

Mas a limpeza era só uma das duas grandes preocupações de minha mãe. A outra, mais inesperada e criativa, era com o que hoje chamaríamos de vida saudável. Era uma mulher intuitiva e, neste quesito, estava muito à frente de seu tempo. Eu quase não acreditaria, se não tivesse estado lá.  Preparava em casa alimentos e cosméticos (sim, cosméticos!), misturava frutas, legumes e folhas. Havia uns sucos verdes com folhas (para mim intragáveis) e outros de frutas com legumes, de sabores, digamos assim, ecléticos.  Hoje muitos seriam populares, só que minha mãe pensava assim há meio século atrás. Não é inacreditável? Criava receitas “naturais” porque achava que eram mais saudáveis, numa época em que ninguém ainda ouvira falar nisso. Detestava alimentos industrializados, tinha a convicção de que eles não faziam bem ao organismo, veja só…

Os cosméticos eram absolutamente originais, ela os preparava com frutas e legumes. Havia máscaras, hidratantes e até um produto para usar na praia, que hoje não sei dizer se era bronzeador ou protetor, mas acho que era à base de pepino. Ou seria beterraba?? Meus amigos zombavam quando eu, orgulhosa e também convicta das benesses do produto, sacava meu vidrinho da bolsa. Perguntavam pelo repelente para abelhas, já que logo ali estariam algumas, que sempre me localizavam após o uso do “produto”.

Por outro lado, minha mãe era também uma ingênua, e algumas de suas crenças bem simplistas. Ela descendia de alemães e tinha a pele rosada, que meu irmão herdou. De minha parte, herdei o tipo físico de meu pai, um descendente de espanhóis. Para minha mãe, eu era pálida e magra demais.  Minhas características físicas faziam com que ela achasse que, a qualquer momento, eu cairia doente. Já meu irmão parecia a ela completamente saudável.

Minha pobre mãe, coitada, vivia mesmo apavorada com esta filha supostamente frágil. Enquanto pode, tentou prevenir qualquer doença em mim, me dando para tomar inúmeros suplementos alimentares e complexos vitamínicos. Minha natureza não se alterou, claro, mas dentro de mim floresceu, ao longo do tempo, um sentimento de rejeição e inadequação.

Hoje, ao olhar os travesseiros na janela, vem à minha mente uma das pequenas tantas coisas que me “traumatizaram” durante anos. Penso e fico surpresa no longo tempo de análise a que tive de me submeter para me livrar dos supostos traumas e me reconciliar comigo. Penso nos anos de vida e no preço, seja em dinheiro, sofrimento ou gasto de energia, que me custou o processo de me acertar com minha história. E logo me vem o pensamento de quantos detalhes, com o passar dos anos, nos parecerão bobagens, um tempo perdido na vida com coisinhas que não deveriam ter a menor importância.

Como seria bom se nós, humanos, pudéssemos ser menos complicados e achássemos graça do passado, tão logo nos tornássemos adultos! Não seria o melhor dos mundos? Estrear um novo modelo de funcionamento mental, simplesmente acionar uma espécie de “modo presente”, sem nenhuma interferência do passado.

Quem sabe evitaríamos assim descobrir, mais cedo ou mais tarde, que muito do que tanto nos doeu durante nossa formação, fica agora pequeno, perto da dor da perda de nossos queridos…

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